As filhas de Nito Alves, apontado pela propaganda do regime angolano, liderado há 45 anos pelo MPLA, como o cabecilha de uma tentativa de golpe de Estado em Maio de 1977, e de Saidy Mingas, ambos assassinados pelas forças de segurança do MPLA sob as ordens directas e inequívocas de Agostinho Neto (o único herói nacional segundo o MPLA), dizem que podem perdoar aos autores dos massacres de milhares e milhares de angolanos, mas lamentam não ter tido a possibilidade de crescerem com os respectivos pais.
Eunice Alves Bernardo Baptista, filha de Nito Alves, e Chissole Madeira Vieira Dias Mingas, filha de Saidy Mingas, fizeram estes comentários ao receberam as certidões de óbitos dos pais das mãos de Francisco Queiroz, ministro da Justiça e Direitos Humanos e coordenador da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP).
“Isso depende de cada pessoa, no meu caso é possível, também no caso da Chissole é possível”, respondeu Eunice Baptista a perguntas dos jornalistas no final da cerimónia, lembrando que a “vida segue em frente”, lembrando que tinha três anos quando perdeu o pai e que apenas guarda a imagem do rosto dele.
“O pai para nós era tudo, o nosso alicerce. Não tive o carinho dele, só guardei tristeza por tudo que aconteceu”, concluiu a agora empresária.
Chissole Madeira Vieira Dias Mingas lembrou que sempre ouviu falar do pai como bom, amigo, mas nunca como intelectual, político e militar e espera que, agora, “os historiadores comecem a escrever sobre tudo isso, para sabermos o que aconteceu e como aconteceu.” Aconselhamos, neste aspecto, que leia – entre outros- o Folha 8 e terá uma ideia aproximada do que foi o genocídio de 27 de Maio de 1977.
“O 27 de Maio não esteve encoberto apenas pelas autoridades, todas as casas de famílias angolanas têm uma história sobre esse dia e todas preferiram esquecer e não falar, não buscar, nem remexer naquilo que causa dor”, acrescentou a jurista e docente universitária, manifestamente “assassinando” todos aqueles que ao longo dos anos, seja em livro ou em artigos de jornais, nunca deixaram a verdade prescrever.
O ministro Francisco Queiroz reconheceu que “a ausência de informação durante todo esse tempo causou muita dor e, até, exclusão social”, mas que “chegou finalmente o momento de reconciliação e de pacificação dos espíritos”. Nem nesta hora o ministro procura ser honesto. Aliás, o MPLA é alérgico à verdade e, por isso, também à honestidade intelectual.
Ao entregar os cartões, dando seguimento a um processo iniciado a 26 de Maio quando o Presidente João Lourenço pediu perdão e desculpas às vítimas do massacre de 27 de Maio de 1977, Francisco Queiroz considerou que “chegou finalmente o momento de reconciliação e de pacificação dos espíritos”. Não é possível reconciliar e pacificar seja o que for tendo por base a mentira e a glorificação dos assassinos, neste caso sob o comando de Agostinho Neto.
As primeiros certidões de óbitos a órfãos de alguns dos assassinados foram entregues no passado dia 27 de Maio, na primeira homenagem às vítimas feita pelo Governo angolano em 44 anos.
Recorde-se que entre 30 mil e 80 mil pessoas foram assassinadas (muitas com requintes de malvadez antropófaga) pelas forças do regime com a ajuda dos tropas cubanas que se encontravam em Angola.
Do alto da sua torre de divina sabedoria, o Presidente João Lourenço ordenou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002
Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da República de Angola, João Lourenço inclui entre os conflitos a “intentona golpista do ’27 de Maio’ [de 1977] ou eventuais crimes cometidos por movimentos ou partidos políticos no quadro do conflito armado”.
Para quem não sabe, como parece ser o casso dos escribas que redigiram a nota, ou até mesmo do próprio Presidente do MPLA, intentona significa: “Intento ou empresa insensata, conluio de motim ou revolta”.
João Lourenço justificou a decisão como um “imperativo político e cívico do Estado” para “prestar condigna homenagem à memória de todos os cidadãos que tenham sido vítimas de actos de violência, resultantes dos conflitos políticos”. Um “imperativo político e cívico do Estado” que o MPLA/Estado leva a efeito sem ouvir, muito menos integrar, representantes de outros partidos ou da própria sociedade. Tudo normal, portanto.
“Convém instituir um mecanismo para a promoção da auscultação e de um diálogo convergente, no sentido de se assegurar a paz espiritual da sociedade, face a episódios do passado na convivência nacional que possam perturbar a unidade e o sentimento de fraternidade entre os angolanos”, salientou o chefe de Estado (não nominalmente eleito), Presidente do MPLA (o único partido que governou Angola desde a independência) e Titular do Poder Executivo.
A ideia, segundo o Presidente, “tem a finalidade de se curar as feridas psicológicas das famílias e de regenerar o espírito de fraternidade entre os angolanos através do perdão e da reconciliação nacional”.
Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço (alguém sabe quem é?), denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento de Agostinho Neto.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o general João Lourenço, hoje presidente do MPLA, da República (do MPLA) e Titular do Poder Executivo (do MPLA), certamente já perspectivando em guindá-lo a figura de nível mundial.
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, afirmou por sua vez o Bureau Político.
Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu então querido, carismático e divino chefe, o “escolhido de Deus” e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou – sabendo que estava a mentir e a ser conivente com um dos mais hediondos crimes cometidos em África – o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.
“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Terá João Lourenço alguma coisa, séria, honesta e reconciliadora a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando milhares e milhares de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto? Pedir desculpa em nome do Estado não chega. Chegaria, estamos em crer, se colocasse Agostinho Neto no nível a que o Estado alemão colocou Adolf Hitler.
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, o maior genocida do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas. E isto não é, nunca será, “um sincero arrependimento”.
Desde 1977 que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito também por não haver um líder em Angola.